Você acha que a indústria cultural é a responsável pela crise na democracia?
Fazemos para uma melhor compreensão da nossa reflexão a citação dos textos abaixo onde encontramos as definições de Indústria cultural e de democracia, para em seguida adentrarmos em alguns questionamentos.
O termo Indústria Cultural (em alemão Kulturindustrie) foi criado pelos filósofos e sociólogos alemães Theodor Adorno (1903-1969) e Max Horkheimer (1895-1973), apresentado no capítulo “A indústria cultural: iluminação como engano em massa”, do livro Dialética do Esclarecimento (1944), em que propuseram que a cultura popular é semelhante a uma fábrica que produz bens culturais padronizados – filmes, programas de rádio, revistas etc. – usados para manipular a passiva sociedade de massa. Para os autores, o consumo dos prazeres fáceis da cultura popular, disponibilizados pelos meios de comunicação de massa, torna as pessoas dóceis, por mais difíceis que sejam suas circunstâncias econômicas.
Ainda para Adorno e Horkheimer, o perigo inerente à indústria cultural é o cultivo de falsas necessidades psicológicas que só podem ser atendidas e satisfeitas pelos produtos do capitalismo; assim, eles perceberam especialmente a cultura produzida em massa como perigosa para a sobrevivência das artes mais difíceis de serem produzidas do ponto de vista técnico e intelectual. De acordo com os pensadores, a indústria cultural:
[…] não introduz as massas nas áreas de que eram antes excluídas, mas serve, ao contrário, nas condições sociais existentes, justamente para a decadência da cultura e para o progresso da incoerência bárbara”.
Democracia é um regime político em que todos os cidadãos elegíveis participam igualmente — diretamente ou através de representantes eleitos — na proposta, no desenvolvimento e na criação de leis, exercendo o poder da governação através do sufrágio universal. Ela abrange as condições sociais, econômicas e culturais que permitem o exercício livre e igual da autodeterminação política. .
Colocar a indústria cultural como manipuladora de massas é, ao meu entender, uma confirmação de que as políticas públicas de educação não funcionam e se a indústria cultural tem esta capacidade plena de manipulação é porque a democracia é frágil e vulnerável diante do não cumprimento da autodeterminação política.
A cultura é um produto da sociedade e esta sociedade produz a cultura conforme seus hábitos de origem na ocupação do espaço urbano ou da sua origem e embasada na sua educação proporcionada pelo poder democrático que rege o cidadão. Quando este poder democrático não proporciona uma educação com um fundamento cultural sólido terá esta lacuna preenchida pela indústria cultural que irá produzir conforme os anseios do cidadão.
Vinculando-se a relação do cidadão com a política, iremos ver que a indústria cultural é resultado da política pública da democracia instalada. Desta forma, a democracia amparada em seu estatuto político que desconhece a educação e a trata como mercadoria de corrupção não pode reclamar da indústria cultural divergente da sua “pretensão” e não da sua realização.
Atribuir-se à indústria cultural como fonte de crise na democracia é apenas reconhecer que a democracia aplica à educação o seu estatuto político, criando fanatismos, violência e imperando o medo pela sua ausência de plena aplicabilidade.
Uma democracia séria e sem corrupção tem por base o cumprimento e abrangência das condições sociais, econômicas e culturais. Como poderiam ser manipulados os cidadãos se a democracia como regime político tivesse em seus Gestores a probidade administrativa? O que temos é um regime democrático vulnerável e que sem educação não se pode exigir ou culpar a indústria cultural onde os problemas estruturais do capitalismo são frutos da gestão democrática.
Para uma reflexão trago uma fragmentação sobre “ponto de vista da cultura”:
Feito o necessário, agora podemos concluir: a única superação possível para o que se entende enquanto apropriação cultural é a superação do modo de produção capitalista. Enquanto o produto do trabalho humano (e aqui, insere-se a cultura) for transformado sempre em mercadoria com o objetivo de gerar mais-valor, é impossível pensar em uma outra dinâmica do ponto de vista da cultura. Pretendo com essa afirmação, evidenciar o óbvio: não é dizendo para as pessoas não consumirem que o problema da apropriação cultural será resolvido. Justamente porque o produto do trabalho humano (mais uma vez: a cultura se insere aqui) é transformado em mercadoria no processo de produção, não no consumo. É no processo de produção que a cultura se converte em mercadoria e perde sua essência, de maneira que agora seu valor de uso é subordinado ao seu valor de troca. Essa reflexão do ponto de vista da economia é importante para não cairmos no equívoco comum de achar que é possível resolver problemas estruturais do capitalismo a partir da individualidade. Apenas a superação do modo de produção capitalista poderá proporcionar aos seres humanos uma cultura que seja pensada sob o prisma da identificação, da resistência. Inclusive, é preciso apontar que a própria ideia da cultura como elemento de resistência aparece localizada historicamente e se agravando cada vez mais no contexto do capitalismo.
Não se pode falar em democracia sem falar do gestor, daquela pessoa que irá cuidar do estatuto político e com ele fazer da educação um instrumento para criação, existência e manutenção da indústria cultural. Quando há uma crise no sistema democrático passa por quem foi consagrado pelo sufrágio universal com finalidade de liderar uma nação e não, essencialmente ou culposamente, pela indústria cultural que é apenas reflexo da democracia instalada.
Segundo Amós Oz a política misturou-se às concepções da indústria do entretenimento. Vê-se, portanto, que a política diante da sua fragilidade e vulnerabilidade foi à indústria do entretenimento, ou seja, a “indústria” está sempre na forma passiva de ser ou representar o pensamento e a história sobre a ocupação da política, onde esta por não cumprir com seu estatuto político se torna alvo da indústria cultural e promove a permissividade de uma participação de candidatos extremistas com a concepção de sê-los os mais divertidos. A crise democrática não é de responsabilidade da indústria cultural e sim daqueles que são eleitos no sufrágio universal e não conseguem cumprir e estabelecer o estatuto político e se transformam em diversão para a indústria cultural que tem por finalidade expressar na liberdade de expressão a cultura e história do seu povo como retrato da ausência ou inexistência de políticas públicas de educação e cultura.
A política educacional e cultural implantada na democracia pelo voto popular é que leva o cidadão, principalmente os jovens, na visão das críticas às bases de instabilidade democrática, a desprezar o noticiário como fonte de conhecimento diante de permanente descaso para com a administração pública e da contaminação sistêmica da corrupção dos eleitos pelo sufrágio universal, optando-se por programas “satíricos” com intuito de ver em situação cultural vulnerável quem deveria estar em situação de Governança Democrática no cumprimento do estatuto político.
QUEM AMEAÇA A DEMOCRACIA É ELA MESMA.
O profissional artista sério e de base cultural não é ameaçado pela degradação da indústria cultural satírica, porque sempre haverá uma corte e um bobo para com o pão e circo levar para parte da comunidade a visão carcomida e podre da democracia, frágil e vulnerável pelos seus próprios atos que são, apenas, base da liberdade de expressão da indústria cultural.
RICARDO BEZERRA
Advogado, Escritor
Academia Brasileira de Direito
Academia Paraibana de Letras Jurídicas
Instituto Histórico e Geográfico Paraibano
Academia de Letras e Artes do Nordeste – Paraíba
União Brasileira de Escritores da Paraíba
Instituto Paraibano de Genealogia e Heráldica
Autor do livro: LICITAÇÃO E CULTURA – Contratação de artista pela Administração Pública – Editora Ideia – 2018 – 170 páginas, João Pessoa, Paraíba.
E-mail: ricardobezerra@ricardobezerra.com.br