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MECANISMOS DA JUSTIÇA – MOROSIDADE JUDICIAL – E A INAPLICABILIDADE DA DECADÊNCIA EM AÇÃO PENAL

No processo 0807177-64.2021.8.15.2002 onde figuram como partes A. M. DE G. em QUEIXA CRIME contra F. G. P. o Ministério Público emitiu Parecer pela DECADÊNCIA onde não fora observado pelo PARQUET o lapso temporal disposto pela Justiça para a prática dos atos processuais, também conhecido por MOROSIDADE JUDICIAL.

Os trâmites processuais não ocorreram ao tempo hábil do regular andamento processual e com isto a querelante se viu prejudicada pela MOROSIDADE JUDICIAL que é uma realidade em face do nosso ordenamento jurídico e do abarrotado volume de processos, em que não há aqui a busca de culpados e sim de uma realidade que não pode deixar de ser considerado pelo Poder Judiciário.

Iniciamos nossos argumentos pela Súmula 106 do STJ: Proposta a ação no prazo fixado para o seu exercício, a demora na citação, por motivos inerentes ao mecanismo da Justiça, não justifica o acolhimento da arguição de prescrição ou decadência.

“Para a decadência o tempo corre independentemente de qualquer iniciativa das partes; a única atividade que impede a fluência do tempo decadencial é o exercício do direito. Na prescrição certas atividades das partes podem fazer com que o tempo transcorrido seja desconsiderado, ou retomado. A prescrição é oposta mediante exceção da parte a quem aproveita, para que o direito não possa ser exercido; a decadência enseja a defesa ou contestação e a declaração da inexistência do direito. A decadência leva à extinção do direito, da pretensão e da ação. A prescrição não extingue o direito, pois apenas prescrevem a pretensão e a ação, que ficam impedidas de ser exercidas. A prescrição pode ser renunciada, após encerrado o prazo, porque o direito permanece; a decadência não pode ser renunciada, porque
não se renuncia a nada (o direito deixou de existir).

Contudo, o principal elemento de discrime é o de que a decadência alcança exclusivamente os direitos potestativos – ou direitos formativos, expressão da doutrina alemã e adotada por Pontes de Miranda e Marcos Bernardes de Mello –, que não são suscetíveis de violação e não são exigíveis, daí não terem pretensão, mas que devem ser exercidos dentro de prazos razoáveis, sob pena de caírem.

A decadência é a extinção do direito potestativo em virtude de seu não exercício durante tempo concedido pelo ordenamento

jurídico. Difere da prescrição, porque esta atinge a pretensão, mas não o direito. A decadência produz, consequentemente, o mais forte efeito de desconstituição em virtude da inércia ou do não uso. O móvel principal da decadência é a extinção dos direitos potestativos ou direitos formativos, que não exigem determinada prestação, mas sujeitam a pessoa destinatária a seu exercício, como faculdade dos respectivos titulares.” (PAULO LOBO – “O TEMPO E O EXERCÍCIO DO DIREITO”, Portal
GENJURÍDICO.COM.BR, 05/04/2018)

“Por outro lado, quando se tratar de ação penal pública condicionada à representação, cessa-se o transcurso do prazo decadencial no momento em que há o oferecimento da representação, seja em juízo, perante a autoridade policial (na delegacia de polícia), ou diante do representante do Ministério Público. Destarte, representado pelo ofendido ou seu representante legal, não há mais que se falar em decadência, pois o instituto não alcança eventual demora do representante do parquet em oferecer a denúncia (DELMANTO, p. 382).” – Irving Marc Shikasho Nagima – Da decadência no Direito Criminal –

https://dorivallassis.jusbrasil.com.br/artigos/112177838/da-decadencia-
no-direito-criminal

Assim, neste caso concreto, nos deparamos com uma realidade processual que não tem culpados entre as pessoas físicas e sim a culpa do sistema judiciário abarrotado, com carência de servidores e com uma legislação de prazos fixados DENTRO DE UMA FALSA REALIDADE DO USO DA MÁQUINA PÚBLICA. Desta forma, os
MECANISMOS DA JUSTIÇA causam uma MOROSIDADE PROCESSUAL que precisa de uma observação singular do Ministério Público e dos Magistrados.

Portanto, considerando que a querelante no caso concreto pagou as custas judiciais por não ter sido acolhido o pedido de justiça gratuita e o sistema atual brasileiro do Judiciário, diante da sua morosidade em CUMPRIR PRAZOS, restando provado que não há culpa da querelante no cumprimento de prazos, não pode acolher ou se dispor da aplicabilidade da DECADÊNCIA, visto que será entendido como base de IMPUNIDADE e também dano material para a parte quando o próprio MP considera o
pagamento fora do prazo decadencial que foi determinado pelo Juízo. Então, se a decadência não pode ser descaracterizada pela “morosidade judicial” o Juízo ao determinar o pagamento das custas judiciais já na ocorrência do prazo decadencial está reconhecendo que o ato foi danoso à parte por arcar com o pagamento de custas judiciais indevidas, já que a decadência estaria
consumada pela “morosidade” do sistema judiciário.

Com os argumentos acima, o processo sofreu uma revisão para a tese disposta pelo MP da DECADÊNCIA, já que a querelante ao não ter a concessão da justiça gratuita recolheu de imediato as custas judiciais devidas e que assim passou a aguardar o devido andamento processual no prazo estabelecido por Lei. Portanto, devidamente elucidado o cumprimento dos prazos processuais pela querelante e reconhecido que os MECANISMOS DA JSUTIÇA provocaram a tardia prática dos atos processuais o Juízo Leigo, por homologação do Juiz Togado entendeu que:

DESPACHO

Compulsando os autos, verifico que a queixa-crime foi interposta de forma tempestiva, juntamente com a procuração com poderes específicos, consoante exigido pela legislação processual pertinente. Verifico também que foi requerida a gratuidade da justiça na queixa-crime, posteriormente indeferida por este Juízo. Intimada a parte querelante para efetuar o recolhimento das custas, esta efetuou o pagamento dentro do prazo concedido, oportunidade em que não se operou a decadência do direito de queixa, razão pela qual não merece ser acolhido o pleito ministerial no tocante ao reconhecimento da decadência. Dra. Giovanna Arduim Maia Porto, Juíza Leiga, e Dr. Hermance Gomes
Pereira, Juiz de Direito.

Conclui-se que os MECANISMOS JUDICIAIS ocorrem e precisam ser de forma imediata até mesmo revisto pelo próprio Poder Judiciário por se tratar de QUESTÃO DE ORDEM PÚBLICA evitando equivocadas decisões e/ou pareceres que promovam a tipificação da MOROSIDADE JUDICIAL. O procedimento de auditagem e controle interno dos atos processuais devem ser aplicados pelo próprio Judiciário na busca da proteção de acesso à justiça, como de forma sábia o Juízo nos presentes autos adotou na percepção das peças processuais.

RICARDO BEZERRA
Advogado, Escritor