A LEI DERRUBA MUROS,
O HOMEM LEVANTA MUROS.
Este é um desafio imposto pelo novo Código de Processo Civil que nada mais é do que uma atitude proativa dos atores envolvidos na relação jurídica que incentiva e/ou busca descobrir no indivíduo uma postura de provocação para a devida situação ou daquela ação em busca de uma tutela jurisdicional específica, célere e adequada.
Tínhamos uma tutela jurisdicional embasada no Código de Processo Civil de 1973 que fora idealizado por conceitos jurídicos, pessoais e comportamentais da cultura daquela época. A vida e seu cotidiano, a evolução da sociedade nos seus conceitos e comportamentos irão sempre precisar da revisão de suas legislações que cercam, no seu espaço geográfico, suas relações jurídicas. Tivemos uma vivência de um período de Regime Militar que ao ser substituído pelos princípios que regem a Democracia ocasionou, sem dúvida, uma necessidade urgente de uma revisão no então Código de Processo Civil. Nada mais prudente e necessário de trazer para o novo texto legal inovações comportamentais que antes não aplicado. Surge, portanto, o Código de Processo Civil de 2015, ou seja, tivemos um acúmulo de evolução cultural e comportamental durante 42 anos que com certeza precisam de uma nova leitura e adequação para formulação de uma legislação compatível, não integralmente, mas que fosse proximamente compatível à vida cotidiana e comportamental das relações humanas e jurídicas dos indivíduos viventes do “Continente” Brasil; pois, agregar novos valores de uma região continental impõe ao Legislador o desafio de buscar inserir na legislação o máximo de oportunidades jurídicas para a efetiva prestação do serviço jurisdicional, já que sendo o Poder Judicial um órgão público e mantido pelos impostos do cidadão brasileiro é, antes de tudo, um serviço que deve ser prestado com acessibilidade para todos, sem distinção, e com total independência e, principalmente, isonomia em suas decisões para o cidadão e não para o indivíduo direcionado ao favorecimento.
O Princípio da Cooperação, importado do direito europeu, é um tema de abordagem ampla e inesgotável porque a sua subjetividade, ou seja, a sua amplitude, não possui um estágio ou fixação de legislação de leitura única ou de ação direta. Sua leitura acarreta muitas visões e uma axiologia temporal, aquela em que se adaptará, sempre, aos novos tempos, comportamentos e conceitos.
Estamos, portanto, tratando de Direito e busco na teoria das disposições jurídicas de Wesley Newcomb Hohfeld onde para Hohfeld “…a pista para encontrar o uso limitado do termo “direito” na linguagem jurídica ordinária reside no seu correlativo “dever”. Isso porque, mesmo os que utilizam “direito” em seu sentido amplo estão acostumados a pensar no “dever” como seu correlativo. Assim, cita trecho do julgado Lake Shore & M.S.R. Co. v. Kurtz, em que o dever (ou obrigação jurídica) é definido como sendo “o que alguém deve ou não deve fazer” e quando um “direito é invadido, um dever é violado”. De acordo com Hohfeld, se X tem um direito contra Y de que este ficará fora da propriedade do primeiro, o correlativo (e equivalente) é que Y tem o dever em face X de ficar fora da propriedade deste.”
O Princípio da Cooperação em sua essência semântica não permite o uso do “dever” quanto ao seu contexto impositivo e individual, já que cooperar é agir conjuntamente com o outro ou interagir em vista à realização de um fim comum. O “dever” que se estabelece em um ato de cooperação é de proatividade e não de superioridade ou hierarquia. O Direito existente para tutela jurisdicional atingível pelo Princípio da Cooperação não pode ser visto pelo dever de fazer ou não fazer que tenha como objetivo julgar o direito invadido ou supostamente violado.
“Hohfeld aponta ainda que um sinônimo para “direito”, nesse sentido limitado, é “claim”, cujo sentido em português é “direito de exigir algo”. A palavra em português que melhor expressa esse significado é “pretensão”14 .15” . Portanto, a meu ver, o Princípio da Cooperação é uma pretensão de colocar os atores do processo na busca de uma tutela jurisdicional específica, célere e adequada.
O Princípio da Cooperação passa, então, a existir como um interesse jurídico que para o Direito, bem é tudo aquilo que o homem precisa para satisfazer as suas necessidades, e interesse é a razão entre homem e bem. No conceito de Carnelutti, o interesse é a posição favorável à satisfação de uma necessidade.[1]. Assim, o interesse tem como sujeito o homem e como objeto o bem. . O Princípio da Cooperação atua com o lastro da razão entre o homem e o bem. Vejam que tecnicamente o Princípio da Coopração exclui, extirpa, definitamente na relação procesual o “bem”, ou seja, o valor material e se foca no homem que busca uma necessidade que é a tutela jurisdicional específica, célere e adequada. Esta tutela é uma necessidade que tem valor análogo a dignidade humana, excluído o valor material. Na aplicação do Princípio da Cooperação a sua efetividade irá atender em sua totalidade o Princípio da Dignidade.
Efetivamente o que diz o Princípio da Cooperação:
CPC – 2015 – Art. 6º. Todos os sujeitos do processo devem cooperar entre si para que se obtenha, em tempo razoável, decisão de mérito justa e efetiva.
Pelo princípio da cooperação depreende-se que o processo é produto de uma atividade cooperativa triangular, composta pelo juiz e pelas partes, que exige uma postura ativa, de boa fé e isonômica de todos os atores processuais, e, especificamente do juiz, a atuação como agente colaborador do processo, e não mero fiscal de regras, visando à tutela jurisdicional específica, célere e adequada. Traduz-se, portanto, em um diálogo entre partes e juiz, que encontra, porém, limites na natureza da atuação de cada um dos atores processuais.” (grifamos) – TJDF – Acórdão 1011021, unânime, Relator: ALFEU MACHADO, 1ª Turma Cível, data de julgamento: 19/4/2017).
Cria-se, portanto, um canal para possível negociação. O canal aberto pelo dispositivo legal e já acolhido pela Jurisprudência é uma derrubada de muros de uma cultura jurídica que era, até então, amparada pelo positivismo que impôs ao mundo jurídico brasileiro grandes limitações pela efetiva aplicação das suas regras jurídicas de forma circular, impositiva e mecânica. O Juiz passa a ser um agente colaborador e não meramente fiscal, sendo-lhe atribuído a postura ativa que nada mais é que o movimento ativo do Juiz.
A atividade cooperativa triangular envolve os atores do processo que é composto pelo Juiz e pelas partes. As partes neste conceito se desdobram na composição dos polos ativo e passivo e seus Advogados. Ao tratarmos das partes e sendo este o “cidadão”, não podemos deixar de entender que a postura ativa do cidadão é o reflexo da garantia da eficácia e da integralidade dos direitos individuais e/ou coletivos expressos na Constituição Federal. Os atores processuais adotam postura ativa e precisam desenvolver habilidades para as novas ferramentas para seu próprio amadurecimento emocional, principalmente os profissionais do Direito, atores do processo, sejam Juízes, Advogados, Defensores Públicos, Ministério Público e/ou profissional SUJEITOS DO PROCESSO.
O referido art. 6º faz referência a SUJEITOS DO PROCESSO e estes necessitam ultrapassar os muros derrubados da cultura do então Código de Processo Civil para caminhar nas novas terras além muros para, com amadurecimento emocional serem atores do processo para efetiva aplicabilidade do Princípio da Cooperação. Contudo, o amadurecimento emocional dos atores do processo em virtude da exigência de uma postura ativa, de boa fé e isonômica implica, imperiosamente, aos SUJEITOS DO PROCESSO plena e absoluta incorporação da HUMILDADE. Não há nenhuma atividade cooperativa triangular que se crie, se sustente, e resulte em uma tutela jurisdicional específica, célere e adequada.
Os sujeitos do processo precisam ser virtuosos, com consciência das próprias limitações, ter modéstia e simplicidade.
Humildade é a qualidade de quem age com simplicidade, uma característica das pessoas que sabem assumir as suas responsabilidades, sem arrogância, prepotência ou soberba. Em teoria, a humildade é tida como uma qualidade bastante positiva e benéfica. Para o humilde, ninguém é pior ou melhor do que os outros, estando todos no mesmo nível de dignidade, de cordialidade, respeito, simplicidade e honestidade.
O Princípio da Cooperação envolve todos os atos processuais e em todas as suas fases. É o exercício da boa-fé da cooperação exige a ética e lealdade para que evitem a extinção do processo sem julgamento do mérito e outros vícios. Quando os atores do processo atuam com seus princípios a busca de uma tutela na forma prevista em Lei torna-se um diamante em processo de lapidação, ou seja, ele se torna transparente e de finalidade objetiva para seus fins, que nada mais é de em se transformar em uma pedra de beleza transparente e reluzente é uma análoga peça à tutela jurisdicional específica, célere e adequada que irá ter sua luz refletida na efetividade da Dignidade Humana, reforçando a participação das partes na decisão judicial
Vejamos como pensa o Superior Tribunal de Justiça:
“(…) 5. No tocante ao credor, em razão da boa-fé objetiva (NCPC, arts. 5° e 6°) e do corolário da vedação ao abuso do direito, deve ele tentar mitigar a sua própria perda, não podendo se manter simplesmente inerte em razão do descaso do devedor, tendo dever de cooperação com o juízo e com a outra parte, seja indicando outros meios de adimplemento, seja não dificultando a prestação do devedor, impedindo o crescimento exorbitante da multa, sob pena de perder sua posição de vantagem em decorrência da supressio. Nesse sentido, Enunciado n° 169 das Jornadas de Direito Civil do CJF.” AgInt no AgRg no AREsp 738.682/RJ
Concluímos com o pensamento de DONIZETTI quando diz:
“O dever de cooperação, entretanto, encontra limites na natureza da atuação de cada uma das partes. O juiz atua com a marca da equidistância e da imparcialidade, a qual não pode ser comprometida por qualquer promiscuidade com as partes. Por outro lado, o dever do advogado é a defesa do seu constituinte. A rigor, não tem ele compromisso com a realização da justiça. Ele deverá empregar toda a técnica para que as postulações do seu cliente sejam aceitas pelo julgador. Essa é a baliza que deve conduzir o seu agir cooperativo. Em sendo assim, meu caro leitor, retire da cabeça aquela imagem – falsamente assimilada por alguns com o advento do novo CPC – de juiz, autor e réu andando de mãos dadas pelas ruas e advogado solicitando orientação ao juiz para redigir as peças processuais. Não obstante a apregoada cooperação, no fundo, será cada um por si, o que não impede que a lealdade e a boa-fé imperem nas relações processuais.”
RICARDO BEZERRA
Advogado, Escritor
Academia Brasileira de Direito
Academia Paraibana de Letras Jurídicas
Instituto Histórico e Geográfico Paraibano
Academia de Letras e Artes do Nordeste – Paraíba
União Brasileira de Escritores da Paraíba
Autor do livro: LICITAÇÃO E CULTURA – Contratação de Artista pela Administração Pública – 2ª Edição – Revista e ampliada – Editora Ideia – 2022 – 214 páginas, João Pessoa, Paraíba.